Tortos

A gente tropeça na vida desde criança. E ela tropeça a gente. Quando se é pequeno se vê tudo por baixo. Como um sino reluzente. Muita coisa é a primeira vista. Fresquinho pros olhos. Admirado diferente. A dor do arranhão obcecado por joelhos. Sinto ela até hoje. Um ferrão cor de cobre que atravessa a carne rosa. Quanto som e água consegue sair de gente pequena assim? Eu lembro. A gente foi pequeno. Mas tão grande de peito. Quanto mais espaço pra preencher. Mais verdadeiro somos. Quanto mais preenchidos temos. Mais tortos seremos.

softwares

os olhos estão inquietos, são 19h28. Sobre a maçaneta do meu estomago. repousam gripados sentimentos. O feixe preto que sai do corpo e dos olhos dele. não combinam com a tela gelatinosa de açúcar do meu celular. As cores. ah as cores. elas me convidam a olhar porta a fora. mas sempre apressada estou “acá”. emails. projetos. reuniões. onde devo colocar tanta falta de alma? Continuo dando meus passos. vejo que formam um círculo. uma dança com vários fins. velhos recomeços. convido alegrete pra dançar. quantos rodopios. quero me soltar. volto para o pescoço e sinto um cheiro de jasmim. era um sonho. uff. espero a tela ligar. sinto que começa um novo dia. os robôs e novos softwares dominaram meu coração.

lagartos australianos

o olhar embotado saía pela fresta. como andorinha de verão. rasgando de fininho o canto do meu sorriso. já não sabia mais assobiar, desaprendi quando era crescido. assim. pra isso serve de apito pra fazer dormir a vizinhança. e foi puxando os cachos que pude notar uma “brota” rosa. crescia feito capim limão. como pitadas de sol no parapeito da janela. ainda corríamos juntos, talvez mais próximos do que juntos. aquilo que vimos na moldura da janela. dizia muito sobre os ocres do seu peito encostado no meu. sabemos que muito “desvisto” e “desdito” acumula raízes de matar. matando a sede e fome primeiro. há muito o que se ver dentro de uma única mente. ainda mais quando puxamos ela inteira pra si. encontra-se tons de amarelo castanho. verde musgo e saltimbancos vermelhos tristonhos. acontece que lá o tempo é febril. quando deixo de te olhar e vejo somente a “enebridão” de uma noite. ainda somos fortes quando caímos. de lá puxamos lagartos australianos e venenos no potinho. pra depois usar abundante em corpos frescos ao dormir. aceito fórmulas. receitas. protocolos e afins. de manhã. a tarde e a noite. religiosamente sem acreditar em nenhuma crença do que existiu. não paro de respirar. sinto um ritmo circadiano de falar. começa longo e termina fino. quem sabe a maior estranheza é saber que já não te espero pra jantar.

cerejas

ele comenta que quer viver infinito, mas nem superou seu próprio fim,

ela sai de dentro de uma foto editada, e esquece de notar o ponto de luz frissado do vestido cor de azul,

enquanto isso, as cerejas andam quentes no forno, e mesmo assim acreditam persistir,

dizem por aí que o progresso é palavra bonita, nenhuma esquina ouse achar o contrário,

vamos aos montes lotar um estádio, pra depois deixar vazio todos os corações

nenhuma nação vive se não sonhar, daquele profundo e cheio de agulhas pretas como um bálsamo,

com sorte espere o próximo trem chegar, pois eu já sei não mais esperar.

O vazio

Como uma carcaça pálida de manequim, as mãos começam vagarosas e vacilantes, junto com o estreitamento dos olhos. Alojando a carne do meu peito inteiro num buraco. A escuridão, é uma falta de respiro, que dá dó na gente. O copo frágil e de limpos veios, preenche toda dobra do meu ser, e seu peso quadruplica meu coração, quero ser livre, correr, mas não vejo mais saída. O vazio existe, e não há mais nenhum querer.

Espelho da vizinha

pessoas deságuam, despejam, ordenam, sufocam as dobras do meu estômago. se instalam na curvatura do pescoço ao ombro, pulsando, esticando fibra a fibra. não vejo a hora de respirar, respirar fundo e sentir que existo, que nada dissipa ou escapa. que o mundo é mundo desde o primeiro raio de luz. o brilho da lataria, o vidro ofuscante, o espelho da vizinha, todas peças que encaixam uma vida de ilusão.

Delas todas

Começa por uma dormência de corpo e depois se alastra pro som. Chega de mansinho como se estivesse sempre ali. Como contas atrasadas, são velhas cobranças, de todas elas. Acumula na boca, queixo e caixa craniana, se aloja no pé da garganta, ganhando formas, delas todas. Surge um suspiro pesado, toda vez que vem à lembrança pedaços de uma história mal vivida, ou dores adormecidas. Quando inunda de vida, tem dores de anos e dores de dias, que acumulam e criam novas. brotando no peito feito cravos frescos que cansam os olhos de cor.

33 tempos

Quem disse que o tempo cura?

Quem disse que o tempo é rei?

O tempo esse mano velho, engana nós todos. Há quem diga que ele não exista. Assim, como a gente o desenhou. O passado, presente e futuro, não são filhos do tempo, todos são irmãos do invento. Falam por aí, que se precisa de tempo, pra viver. Já há quem diga que não precisa catalogar o passado e futuro, pra ser mais completo aqui e acolá, tudo acontece ao mesmo tempo, ou intento. É o que dizem, as línguas tupis. Nosso tempo, o tempo do branco existe assim, numa produção cartesiana e inútil, de contar, o tempo. Hoje conto 33, são 33 alegres primaveras, felizes verões e tristes outonos e invernos. são 33 tentativas de acertar e mesmo assim continuo errando. O 33 enigmático e poético, me convida a refletir a idade de Cristo e que junto a minha data de aniversário, 22, fazem uma bela junção numérica, 22.33. Com essa contagem vem também todos os encargos de esteriótipos, símbolos e arquétipos de quem se tem 33 tempos. ah! Quão adulto estás. ah como o tempo passa rápido! Já tens um bom emprego e filhos? Hum, imagino que já pense mais no futuro. E seus investimentos como andam?… E para qualquer mínimo problema da vida, tudo se resume a uma questão de tempo. Fim. e assim o mundo se torna cada vez mais chato e cartesiano. O que fazeres mente e corpo 33 pra subverter esse padrão global do tempo e seus contornos metodistas e esquizofrênicos? são 33 vezes em que me perco e continuo sem entender boa parte desse mundo, começando por: por que mesmo contamos o tempo? Quem é tempo?!

Cintila

O vazio que preenche a imensidão dos seus olhos, vagueia entre carnes e éter. Fazem brotar no meu corpo notas de um acorde só. Feito uma canção barulhenta, absorve ambientes e ideias. Volto a suspirar. Por entre vazios e corpos, ainda existe quem cintila o olhar.

cores e notas

Destinar. Um traço da história. Revela-se em encontros. Das alas lestes e sul, das portas do mundo. Convergências de corpos e mentes. Carrego o primeiro olhar, na moldura do meu peito. Ele. alaga de presença uma saudação, uma noite, um corpo quiçá. A cadência de um tempo que encandeia meu candiá. O mesmo toque que cura, me leva as alturas. Você é expansão, ela inteira pra mim. Faz-me transbordar as margens e perder muitos espaços que nunca foram meus. Sempre perto do seu peito, sem deixar de ser direito. Sigo amando o mundo, por mais cores e notas de você. Aqui.